Você já se pegou ignorando um problema no trabalho, torcendo para que ele desaparecesse sozinho? Talvez fosse aquele conflito na equipe que parecia complicado demais para resolver, ou aquela conversa difícil com o chefe que você foi adiando. A verdade é que todos nós, em algum momento, já nos comportamos como o avestruz, aquele que supostamente enfia a cabeça na areia para evitar o perigo. Embora essa ideia seja um mito, ela descreve bem o que muitos fazem diante de desafios: preferem “se esconder” e esperar que as coisas se ajeitem por conta própria.
Mas será que realmente se ajeitam? Ou será que, enquanto você tenta ignorar, os problemas crescem e os impactos aparecem, seja na sua reputação, na sua saúde mental ou no seu crescimento profissional? A “síndrome do avestruz” não é apenas uma metáfora, é um comportamento que pode custar caro, especialmente no ambiente de trabalho.
Vamos entender por que agimos assim e, mais importante, como mudar esse padrão.
Os mecanismos por trás da evitação
A neurociência explica que essa atitude está relacionada à nossa resposta de enfrentamento ou fuga (fight or flight), mediada pela amígdala, região do cérebro que processa emoções como medo e ansiedade. Quando um problema surge, ele pode ser percebido como uma “ameaça” ao nosso conforto ou à nossa autoimagem. Nesse caso, reagimos a ele como uma forma de fuga.
A psicologia também oferece insights valiosos. Segundo a teoria da evitação experiencial, de Steven Hayes, evitamos situações desconfortáveis ou dolorosas porque queremos minimizar o sofrimento a curto prazo. No entanto, a longo prazo, isso gera mais sofrimento e limitações.
Quais podem ser os impactos no ambiente de trabalho?
Evitar problemas pode ter consequências graves:
- Aumento do estresse: Problemas não resolvidos tendem a crescer, gerando preocupações constantes e alimentando um ciclo de ansiedade e procrastinação. Na perspectiva psicológica, a evitação aumenta a ativação do sistema de alerta do cérebro, comandado pela amígdala, o que pode intensificar a sensação de ameaça e incapacidade. Além disso, o acúmulo de tensões afeta o córtex pré-frontal, prejudicando a tomada de decisões e o autocontrole. Esse ciclo de estresse pode levar ao esgotamento emocional, ao comprometimento da saúde física (como insônia e dores musculares) e ao desenvolvimento de transtornos mais graves, como burnout.
- Impacto no clima organizacional: Conflitos evitados podem gerar ressentimentos, falhas de comunicação e insegurança. Quando problemas são ignorados, cria-se um ambiente de tensão velada, onde as pessoas podem sentir que não há espaço para diálogos honestos ou resolução de diferenças. Isso não apenas enfraquece a confiança entre os membros da equipe, mas também pode levar a uma cultura de insatisfação e desengajamento, afetando diretamente a motivação e a colaboração.
- Perda de credibilidade: A falta de atitude diante de problemas ou desafios pode ser rapidamente interpretada como ineficiência ou desinteresse. No ambiente profissional, essa percepção afeta diretamente a confiança de líderes e colegas, criando barreiras à colaboração e dificultando a construção de relações de trabalho produtivas. Psicologicamente, essa perda de credibilidade pode gerar uma sensação de isolamento e insegurança, alimentando um ciclo de baixa autoestima que dificulta a recuperação da imagem profissional.
- Dependência emocional: Pessoas que evitam conversas difíceis e adotam a postura do “avestruz” tendem a transferir suas necessidades emocionais para líderes ou colegas, criando expectativas de que outros irão resolver seus problemas e validar suas emoções. Essa dinâmica não apenas sobrecarrega os envolvidos, mas também impede o desenvolvimento de autonomia e habilidades essenciais para o crescimento pessoal e profissional.
- Baixa performance: Ao evitar enfrentar desafios e solucionar problemas, os profissionais podem perder prazos, comprometer a qualidade do trabalho e demonstrar falta de proatividade. Essa postura não só prejudica a imagem do colaborador, mas também pode impactar negativamente os resultados da equipe e da organização como um todo.
- Estagnação profissional: A inabilidade de enfrentar desafios impede o aprendizado e o desenvolvimento de competências essenciais para o crescimento na carreira. De acordo com estudos de psicologia comportamental, evitar situações desafiadoras limita a capacidade de adaptação e resiliência, habilidades fundamentais para promoções e novas oportunidades. Esse padrão de comportamento pode levar a um ciclo de frustração, onde o profissional sente que não avança, enquanto perde oportunidades de se destacar.
Mas não podemos deixar de reforçar que líderes e empresas têm um papel crucial nesse contexto.
Como identificar profissionais que apresentam esse padrão de comportamento? Mais importante, como criar um ambiente que encoraje o enfrentamento de problemas?
De acordo com um estudo da Harvard Business Review, organizações que cultivam uma cultura de segurança psicológica conseguem aumentar em até 30% a produtividade de suas equipes. Isso acontece porque colaboradores que se sentem seguros têm maior disposição para abordar problemas, sugerir melhorias e enfrentar desafios. Líderes podem desempenhar um papel essencial ao modelar comportamentos de enfrentamento, oferecendo feedback construtivo e promovendo um ambiente de respeito mútuo.
Além disso, um relatório da McKinsey destaca que empresas que investem em treinamentos de liderança e resolução de conflitos observam uma melhora significativa nos índices de engajamento e retenção de talentos. Criar políticas claras que incentivem o diálogo aberto e oferecer recursos, como programas de mentoria e apoio psicológico, são estratégias eficazes para transformar a “síndrome do avestruz” em uma cultura de proatividade e crescimento.
Direcionamentos para sair da zona de evitação
Se você identificou que também sofre da “síndrome do avestruz”, aqui estão alguns passos baseados em psicologia e neurociência para superar essa tendência:
- Reconheça o problema: A consciência é o primeiro passo. Nomeie o problema, sem emoção e julgamento. Apenas descreva qual é o problema e avalie sua gravidade.
- Reduza a reação emocional: Entenda o que é seu em termos de emoções e sentimentos. Não ignore, procure lidar com eles. Práticas como mindfulness ajudam a regular a amígdala e a lidar melhor com o estresse. O processo de terapia também é de grande valia para esses casos.
- Divida o problema em partes: Depois de descrever o problema é hora de dividi-lo em partes. Enfrentar pequenos aspectos do desafio pode torná-lo mais gerenciável. Identifique quais/quem são as partes envolvidas e o que é da sua responsabilidade. O que é da responsabilidade do outro e SE você pode influenciar de alguma maneira.
- Utilize os recursos necessários: Identifique quais são os recursos que você possui para utilizar (ferramentas, técnicas, metodologias, processos etc.). Caso sinta que precisa de ajuda, não hesite em buscar por mentoria, coaching, psicoterapia etc. Olhe pelo retrovisor e lembre-se de situações semelhantes que passou mesmo no âmbito pessoal e o que fez para resolvê-las.
- Crie um plano de ação: O processo de resolver problemas exige momentos de divergência antes de alcançar a convergência. É na troca de ideias e na exploração de diferentes perspectivas que surgem inovações e soluções mais eficazes. No entanto, para que isso funcione, é essencial que as discussões sejam pautadas pelo foco no problema, e não pelos egos envolvidos. Defina etapas práticas e mensuráveis para abordar a questão, garantindo que cada passo contribua para uma resolução efetiva. Além disso, reconheça e celebre pequenas conquistas ao longo do caminho, reforçando a confiança e a motivação para seguir adiante.
Para líderes e empresas, é fundamental atuar de forma proativa ao identificar profissionais que apresentam dificuldade em lidar com desafios. Algumas ações incluem:
- Oferecer feedback construtivo: Criar espaços seguros para diálogo e desenvolvimento.
- Promover treinamentos: Capacitar equipes para lidar com conflitos e resolver problemas de maneira eficaz.
- Estimular uma cultura de enfrentamento: Recompensar atitudes de proatividade e resolução de problemas pode inspirar outros a fazerem o mesmo.
As atitudes falam mais que as palavras: Lideranças que promovem o enfrentamento de problemas precisam alinhar discurso e prática. Colaboradores observam e se espelham em comportamentos concretos, como assumir responsabilidade por erros, lidar com conflitos de forma aberta e respeitosa, e valorizar contribuições diversas da equipe. Quando os líderes demonstram, por meio de ações, que enfrentar desafios faz parte do aprendizado e do crescimento, eles não apenas inspiram confiança, mas também fomentam uma cultura de transparência e colaboração. Essas atitudes criam um ambiente onde é seguro errar, aprender e inovar, promovendo o desenvolvimento coletivo.
Agora, reflita comigo:
- Quais problemas você tem evitado? Pare por um momento e reflita: existe algo que você não quer encarar em sua vida profissional?
- O que está em jogo? Pense nos custos e benefícios de enfrentar ou evitar essa situação.
- Como isso impacta sua autoimagem? Evitar desafios pode gerar sentimentos de impotência e frustração.
Se você chegou até aqui, talvez tenha se identificado com alguns dos padrões apresentados. A boa notícia é que, ao contrário do mito do avestruz, você pode escolher levantar a cabeça, encarar os desafios e transformar o desconforto em uma oportunidade de crescimento.
Imagine um futuro onde os problemas não são obstáculos, mas caminhos para aprendizados e inovações. Onde sua postura proativa inspira confiança em colegas e líderes. Essa transformação começa com um pequeno passo: reconhecer o problema e decidir agir.
Agora é com você. Que tal começar por aquele problema que você tem evitado? Compartilhe nos comentários suas reflexões ou como você já superou situações assim. Sua experiência pode ser o incentivo que outra pessoa precisa para sair da “zona de evitação” e alcançar o próximo nível na carreira.
Até a próxima!